O século XVIII não se notabilizou pela profundidade de sua fé. No entanto produziu três dos maiores missionários da Igreja: São Leonardo do Porto Maurício, São Paulo da Cruz, e Santo Afonso Maria de Ligório, cuja festa comemoramos hoje.
Afonso Maria Antônio João Cosme Damião Miguel Gaspar de Liguori nasceu numa família de antiga nobreza, na casa de campo de seu pai em Marianella, perto de Nápoles, em 27 de setembro de 1696. Foi batizado dois dias depois na igreja de Nossa Senhora das Virgens. Seu pai, José de Liguori, era oficial da Marinha e capitão das Galés Reais, homem de grande virtude e probidade de caráter. A mãe era descendente de espanhóis, e podemos encontrar nessa ascendência, uma explicação para a enorme tenacidade de propósito que distinguiu o santo desde seus primeiros anos.
Primogênito de sete filhos e a esperança de sua casa, Afonso foi brilhante nos estudos, fazendo grande progresso em todo o tipo de aprendizado. Ele não foi enviado à escola, mas educado por tutores sob os olhos atentos do pai. Este o fazia praticar o cravo durante três horas por dia, de modo que, aos treze anos, o adolescente já brilhava com a perfeição de um mestre. Suas recreações eram a equitação e a esgrima, e um jogo de cartas à noite.
Na idade de dezesseis anos Afonso colou grau em Direito, embora a idade fixada pelos estatutos fosse vinte anos. Logo depois começou seus estudos para a Ordem dos Advogados e, aos dezenove anos, começou a exercer a profissão nos tribunais.
É afirmado que, nos oito anos cheios de trabalho de sua carreira como advogado, Afonso nunca perdeu um caso. Mesmo que exista algum exagero nisso, a tradição mostra que ele foi extraordinariamente capaz e bem-sucedido. De modo que, apesar de sua juventude, ele era, aos vinte e sete anos, um dos líderes da Barra Napolitana.
Como dissemos, Santo Afonso teve a graça de ter pais profundamente religiosos e de genuína fé. D. José tinha uma piedade profunda e vida imaculada, e queria que seu filho assim também fosse. Todos os anos, pai e filho faziam juntos um retiro espiritual em alguma casa religiosa. Afonso, auxiliado pela graça divina, não desapontou o genitor. De modo que, de uma infância pura e modesta, passou para a maturidade sem nenhuma reprovação.
Um seu companheiro, Balthasar Cito, que mais tarde se tornou um juiz ilustre, foi questionado em seus últimos anos, sobre se Afonso mostrara sinais de leviandade em sua juventude. Ele respondeu enfaticamente: “Nunca! Seria um sacrilégio dizer o contrário”. Além disso, o confessor do santo declarou que ele preservou sua inocência batismal até a morte.
Por volta do ano 1722, quando Afonso tinha vinte e seis anos, começou a ser atraído pela sociedade, e a negligenciar um pouco a oração e as práticas de piedade que tinham sido parte integrante de sua vida. Começou também a ter prazer na muita atenção com a qual ele era recebido em toda parte.
Mas chegara a hora da Providência. Em 1723 houve um processo nos tribunais entre um nobre napolitano, cujo nome não chegou até nós, e o grão-duque da Toscana, cuja rica propriedade estava em jogo. Afonso foi um dos principais advogados, não sabemos de que lado. No dia estipulado, o futuro Santo fez um discurso de abertura brilhante, e sentou-se confiante da vitória. Mas, antes que se chamasse alguma testemunha, o advogado adversário disse-lhe em tom frio: “Seus argumentos são falhos. Você ignorou um documento que destrói todo o seu caso”. Foi-lhe entregue então uma prova que ele lera e relera muitas vezes, mas sempre em sentido contrário ao que agora via. Afonso ficou pálido, permaneceu espantado por um momento. Em seguida, disse com voz alquebrada: “Você está certo. Eu estava enganado. Este documento lhe dá o caso”.
O jovem jurista sentiu como se toda sua carreira estivesse então arruinada. Deixou a Corte, dizendo: “Mundo, eu te conheço agora. Tribunais, vós nunca mais me vereis”.
Afonso considerando que algum sacrifício especial era requerido dele, embora ainda não soubesse qual, não retornou à sua profissão, mas passou os dias em oração, procurando conhecer a vontade de Deus.
Após curto intervalo ocorreu que, quando em 28 de agosto de 1723, o jovem advogado tinha ido realizar um ato de caridade favorito visitando os doentes no Hospital dos Incuráveis, de repente viu-se cercado por uma luz misteriosa; a casa parecia balançar, e uma voz interior lhe disse: “Deixe o mundo e entregue-se a mim”. Isso ocorreu duas vezes.
Afonso deixou o hospital e foi direto à igreja da Redenção dos Cativos. Ali colocou sua espada de cavaleiro diante da estátua de Nossa Senhora, fez uma solene resolução de entrar no estado eclesiástico, e de se oferecer como noviço aos Padres do Oratório.
Isso foi um choque para D. José, pois seria o fim de suas esperanças em relação ao filho. Por isso relutou muito em aceitar. Mas finalmente, como bom cristão, concordou em permitir que o filho se tornasse sacerdote, desde que não religioso. Pois, como padre secular, ele poderia continuar a viver em casa, e não o privaria de sua presença. A isso o filho, por conselho de seu diretor, concordou.
Desse modo, em 6 de abril de 1726 o santo foi ordenado diácono, e logo depois pregou seu primeiro sermão. Em 21 de dezembro do mesmo ano, aos trinta anos, foi ordenado sacerdote.
Por seis anos o neo-sacerdote trabalhou em Nápoles e arredores, dando missões para a Propaganda, e pregando para os pobres da capital. Com a ajuda de dois leigos, Pedro Barbarese, professor, e Nardone, um velho soldado, ambos convertidos de uma vida má, ele recrutou milhares de pobres em uma espécie de confraternidade chamada “Associação das Capelas”, que existe até hoje. Então Deus o chamou para o trabalho de sua vida, as missões.
Levado pela Providência, Santo Afonso foi morar no “Colégio Chinês”, fundado pelo apóstolo da China, Mateus Ripa. Lá encontrou o Pe. Tomas Falcoia, com quem manteve grande amizade durante toda a vida.
Muitos anos antes, em Roma, Falcoia tivera a visão de uma nova família religiosa de homens e mulheres, cujo objetivo específico deveria ser a perfeita imitação das virtudes de Nosso Senhor. Depois de várias tentativas, fundara um conservatório para religiosas em Scala. Em 1724 nele entrou uma jovem, Julia Crostarosa, que se tornou em religião Irmã Maria Celeste. Esta teve uma série de visões, delas resultando um esboço de Regra para sua comunidade religiosa.
Em 8 de outubro de 1730, Falcoia foi sagrado bispo de Castellamare. e quis pôr em vigor a regra escrita por Maria Celeste. Ora, ocorreu que Afonso tinha ido com alguns companheiros a Scala no início do verão de 1730 e, incapaz de ficar ocioso, pregara aos pastores das montanhas com tanto sucesso que D. Nicolas Guerriero, bispo de Scala, implorou-lhe que desse um retiro em sua catedral.
Falcoia, ao ouvir isso, implorou ao amigo que desse ao mesmo tempo um retiro às freiras de seu Conservatório. Afonso concordou com os dois pedidos e assim fez com seus dois amigos, João Mazzini e Vicente Mannarini, em setembro de 1730.
O resultado do retiro às freiras foi que Afonso, que antes tinha sido precavido por relatos em Nápoles contra a proposta da nova Regra de Maria Celeste, tornou-se seu firme defensor. Ele obteve mesmo do Bispo de Scala permissão para que ela fosse implantada no convento em 1731, juntamente com tomada do novo hábito pelas religiosas. Este era vermelho e azul, as cores tradicionais da vestimenta de Nosso Senhor.
Em 3 de outubro de 1731, véspera da festa de São Francisco, Madre Maria Celeste viu Nosso Senhor com São Francisco à sua direita e um sacerdote à esquerda. Uma voz lhe disse: “Este é aquele a quem escolhi para ser o chefe do Meu Instituto, o Prefeito Geral de uma nova Congregação de homens que trabalhará para a minha glória”. Esse padre era Afonso.
A religiosa relatou sua visão ao bispo Falcoia. Este a comunicou ao Pe. Afonso, expressando seu desejo de que ele deixasse Nápoles, e fosse para Scala para lá estabelecer a premeditada Ordem de missionários. Estes, segundo Santo Afonso, deveriam dar missões acima de tudo aos pastores negligenciados das montanhas. Assim nasceu a congregação do Santíssimo Redentor.
Como toda obra de Deus, ao longo dos anos a Congregação dos Redentoristas, experimentou inúmeros contratempos, apostasias e rupturas.
Foi assim que, em 1 de abril de 1733, todos os companheiros de Afonso, com exceção de um irmão leigo, Vitus Curtius, abandonaram-no e fundaram a Congregação do Santíssimo Sacramento que, confinada ao Reino de Nápoles, foi extinta em 1860 pela Revolução Italiana.
As dissensões se espalharam também entre as freiras, e a Irmã Maria Celeste teve que deixar o convento de Scala, fundando um outro em Foggia. Nele ela morreu em odor de santidade em 14 de setembro de 1755. Tendo sido aceito seu processo de beatificação, ela declarada Venerável em 11 de agosto de 1901.
Afonso, no entanto, continuou sua obra que, prosperando, em 1746 a Congregação tinha quatro casas no Reino de Nápoles. Em 1749, a Regra e o Instituto dos homens foram aprovados pelo Papa Bento XIV como também, em 1750, a Regra e o Instituto das freiras redentoristinas.
O santo teve também que arcar com o episcopado, sendo obrigado, por obediência, a aceitar a diocese de Santa Ágata dos Godos.
Oito vezes, durante sua longa vida, sem contar sua última doença, o Santo recebeu os sacramentos dos moribundos. Contudo, a pior de suas múltiplas doenças foi um terrível ataque de febre reumática durante seu episcopado, que durou de maio de 1768 a Junho de 1769, e deixou-o paralisado até o fim de seus dias. Foi por causa disso que Santo Afonso ficou com a cabeça acentuadamente curvada, que se nota em seus retratos. No início ela se encurvou tanto, que a pressão do queixo produziu uma ferida perigosa no peito do santo. Embora os médicos conseguissem endireitar um pouco seu pescoço o Santo, pelo resto de sua vida, teve que tomar as refeições através de um tubo.
Ele estava assim destinado a nunca mais poder celebrar missa, mas um prior agostiniano lhe mostrou como fazê-lo, sentado em uma cadeira. Ele precisava contudo da ajuda de um acólito, para poder levar o cálice aos lábios.
Apesar de suas enfermidades, era tanta sua fama que Clemente XIII (1758-69) e Clemente XIV (1769-74) obrigaram-no a permanecer em sua diocese. Em fevereiro de 1775, no entanto, Pio VI foi eleito papa, e no mês seguinte permitiu que Afonso renunciasse à sua Sé.
No fim da vida Santo Afonso foi excluído da própria congregação que fundara. Nesse estado de exclusão ele viveu por mais sete anos, e faleceu no dia 1º. de agosto de 1787, com 91 anos de idade.
Foi somente após sua morte que, como profetizara, o governo napolitano finalmente reconheceu a regra original, e a Congregação Redentorista foi reunida sob um único comando.
Santo Afonso escreveu muitas obras sobretudo de Teologia Moral. Mas são mais conhecidas suas “Visitas ao Santíssimo Sacramento” e as “Glórias de Maria”, na qual deixou consignada a sua filial devoção para com a Mãe de Deus.